quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

América Latina: Solidariedade contra ações norte-americanas

17/12/2008 - 11h12

Por Mario Osava, da IPS

Costa do Sauípe, Bahia, 17/12/2008 – Duas decisões adotadas ontem pelos presidentes da América Latina e do Caribe neutralizam, ou buscam reverter, ações “vingativas” dos Estados Unidos contra Bolívia e Cuba, acentuando o caráter autonomista das cúpulas que acontecem neste complexo turístico. A Cúpula do Mercado Comum do Sul (Mercosul) decidiu que seus cinco membros – Brasil, Argentina, Paraguai, Uruguai e Venezuela – absorverão US$ 30 milhões em exportações bolivianas de têxteis, “em solidariedade com o governo e o povo da Bolívia”.

O gesto, que recebeu vários agradecimentos públicos do presidente boliviano, Evo Morales, compensa as perdas que seu país sofreu pela suspensão, anunciada pelos Estados Unidos dia 26 de novembro, de preferências alfandegárias como castigo pelo suposto descumprimento pela Bolívia de metas no combate ao narcotráfico. Essas preferências eram concedidas a Bolívia, Peru e Colômbia dentro da Lei de Promoção Comercial Andina e Erradicação de Drogas (ATPDEA), que estimula a repressão à produção e ao comércio de cocaína.

Além disso, a Venezuela ofereceu um apoio de US$ 60 milhões, em uma operação que compreende empresários e governos, informou Morales, que considerou esses gestos e a integração “importantíssimos” para seu país, que vai se libertando de “imposições e condições” de potências do Norte rico. Outra decisão contra medidas punitivas por parte de Washington foi a incorporação de Cuba ao Grupo do Rio, aprovada pelos presidentes dos 19 países-membros desse mecanismo latino-americano e caribenho de concentração política e diplomática.

O presidente do México, Felipe Calderón, anunciou a resolução do Grupo do Rio destacando a contribuição importante que Cuba pode dar às relações regionais. Calderón faz parte dos governantes conservadores e mais próximos a Washington em uma América Latina onde a esquerda e a centro-esquerda ampliaram sua presença nos governos nos últimos anos. O presidente de Cuba, Raúl Castro, também convidado pela primeira vez para a Cúpula do Mercosul, agradeceu o apoio na luta contra o “vingativo bloqueio econômico e financeiro” contra seu país desde 1962 e condenou o sistema econômico mundial “neoliberal”, cujo esgotamento é identificado na atual crise financeira, afirmou.

“A decisão reflete a “independência definitiva” da América Latina, 50 anos depois que Fidel Castro e seu irmão Raúl lutaram em Serra Maestra pela revolução”, afirmou o presidente venezuelano, Hugo Chávez, um grande aliado de Havana. A própria Cúpula da América Latina e do Caribe (CALC) de ontem e hoje na Costa do Sauípe, a 70 quilômetros da capital baiana, é uma iniciativa “histórica” que marca a autonomia regional. Pela primeira vez os países da região reúnem seus chefes de Estado e de governo sem a presença dos Estados Unidos e de potências colonizadoras européias.

É "incrível” que somente agora acontece um encontro aqui, quase 200 anos depois da independência do império colonial, disse o chanceler brasileiro, Celso Amorim, embora esclarecendo que nem a iniciativa brasileira de convocar a CALC nem as decisões de ontem são contra os Estados Unidos. Nem Morales nem Castro exibiram essa moderação, e criticaram as “imposições” de Washington. O mandatário boliviano destacou que o presidente George W. Bush “não respeito” nem mesmo o Congresso de seu país, que havia decidido prorrogar as preferências alfandegárias.

Morales também comemorou um triunfo na União das Nações Sul-americanas (Unasul), que em outra cúpula realizada ontem recebeu o informe sobre os violentos conflitos ocorridos em setembro no departamento de Pando, onde morreram pelo menos 17 camponeses favoráveis ao governo. O informe, preparado por uma comissão multilateral de especialistas criada pela Unasul, será enviado a organismos de direitos humanos das Nações Unidas e da Organização dos Estados Americanos.

O ocorrido em Pando foi “um massacre, um genocídio”, disse Morales em entrevista coletiva, e será necessária a “pressão do movimento social” para que a justiça condene os responsáveis. O funcionamento da justiça constitui “um grave problema”, e terá de passar pela “profunda transformação” que a Bolívia deverá viver, afirmou o presidente. Morales reafirmou seu compromisso “com a democracia, os direitos humanos e o Estado de direito”. O referendo marcado para 25 de janeiro permitirá ao povo boliviano “aprovar ou rechaçar” livremente a Constituição redigida pela Assembléia Constituinte, assegurou.

A Unasul foi criada por decisão dos países da América do Sul e sua constituição foi assinada em maio de 2008, mas até agora apenas dois países, Bolívia e Venezuela, ratificaram sua fundação em seus parlamentos. Essa é uma tarefa urgente, disse o chanceler brasileiro, reduzindo a importância dos rumores de que o Uruguai ameaça deixar a organização se o ex-presidente argentino Nestor Kirchner (2003-2007) for nomeado para ser o seu secretário-geral. Os governos de Argentina e Uruguai se enfrentam pela instalação da indústria de celulose no lado uruguaio de um rio compartilhado pelos dois países e pelo bloqueio de uma ponte internacional mantido por ativistas argentinos como forma de protesto. Montevidéu reclama de Buenos Aires que acabe com o bloqueio. O conflito está no Tribunal Internacional de Justiça, na cidade holandesa de Haia. (IPS/Envolverde)

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